Eram duas, duas e meia da tarde. No máximo. Domingão. Era regra. Racha no falecido campo de areia da praça da gentilândia.
Dois times, quatro na linha e um goleiro.
Era a alegria do final de semana. Naquele tempo ninguém fumava, ninguém bebia, o corpo tava só o filé!
Duas horas da tarde era um pouco cedo. O sol ainda queimava nossos quengos, mas era o jeito. O campo era disputado. E moleque nunca tem vez.
Bermuda curta, camiseta, havaiana nos pés. Só. De resto só a alegria e a expectativa pelo grande encontro futebolístico.
Ponto de encontro em frente a casa do Renner, vulgo "SP". Os atrasados sempre irritando, os pontuais sempre irritados.
Saí todo mundo andando. São apenas dois quarteirões até a praça. A ânsia pelo jogo faz rolar aquele bate-bola já no meio da rua. Andando e chutando a bola, de um lado pro outro da rua. E gritando "hoje é meu dia", "o Ivan vai passar mal", "vô tentar fazer de bicicleta".
A galera se distancia. Pouco, mas se distanciam.
Andando meio que sozinho, mudei de calçada. Vizinho a REU (Residência Universitária) há uma casa. Nessa casa há um cachorro. Nesse cachorro havia brilho no olho.
Passei por essa casa, um muro pouco alto com um portão, a garagem. Quando passei pelo portão, um daqueles sustos que você vai ao céu, bate na mão do Padim Ciço, e volta. O cachorro, vôou. Se não fosse o portão...
E ele continuou latindo.
Até dobrarmos a esquina.
O cachorro era feroz, forte, ativo. Vivo!
Era um símbolo pra toda a galera. À caminho do racha alguém sempre se esquecia e passava perto do portão da fera. Risadas garantidas.
Durante anos aquele cachorro demarcou onde podíamos andar.
Esse primeiro susto que tomei aconteceu há uns sete anos atrás.
Há dois dias tive que fazer uma entrega na casa de um amigo que mora na rua da pracinha.
Tive que fazer o mesmo caminho que fazia anos atrás nos domingos.
E passei pela calçada que não se passava.
Passei pelo portão. E vi o cachorro que me assustou boa parte da minha vida.
Diminuí o passo. Demorou uns dois segundos. Dois segundos que eu olhei no olho dele e ele olhou no meu olho. E nenhuma reação. Sentado ele estava, sentado ele ficou.
Passei. E fiquei pensando.
Puta merda!
Foda!
Filho da puta podia ter latido! Eu queria que ele tivesse latido!
Porra!
Fiz minha entrega. E voltei. Resolvi passar novamente por ele. Outros dois segundos de troca de olhares. Pensei em parar, mas não o fiz.
Caralho, como aquele cachorro me fez pensar.
Será que a gente pára de latir?
Lembrei do meu avô. Do sofrimento. Da dor que eu senti. Tubos e mais tubos. Angústia.
Uma certa vez no hospital ele estava muito inquieto. Quiz levantar. Aí sentou-se no sofá. Sentei do lado dele. Ele de perna cruzada olhando pro tempo.
Passamos alguns minutos ali. Sentados, calados.
Nos dias finais, mesmo intubado, quando me despedia dele ele sempre tentava dizer algo. Pegava no meu braço enquanto eu dava um beijo em sua testa.
Que merda! Que bosta de vida do caralho-fi-de-puta!
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